Caro leitor, mais uma vez traduzimos, livremente, artigo publicado recentemente pelo blog Sustainable Fisheries, parte do Projeto do Departamento de Ciências Aquática e Pesqueira da Universidade de Washington. Nele o editor chefe, Max Mossler, comenta aspectos importantes de estudo liderado pelo Dr Hilborn, que desmistifica o arrasto como forma destruidora de recursos ambientais e apresenta evidências de que, quando bem manejado, seus impactos são menores que a equivalente produção de proteína em outros ambientes.
Agregar ciência, tecnologia e inovação à pesca de arrasto é o caminho sensato que deve ser seguido.
Proibir e demonizar a atividade, que passa por uma campanha global de desqualificação e proibição, pode na verdade, ser mais negativo em termos globais, que promover e estimular adequações e boa gestão.
Nosso Brasil, sabemos, está longe de uma gestão eficiente, dados precários e desconhecimento de frota, esforço, populações e condição de estoques nos deixam distantes da melhor gestão, mas os caminhos são conhecidos e aqui os divulgamos, incentivando todos a buscarem aportar informação confiável e aos gestores a fomentar a busca desta necessária governança, envolvendo a academia e a sociedade civil organizada.
Esta tradução e sua publicação para sua leitura foram autorizada pelos autores, pelo que externamos nosso agradecimento e reconhecimento.
Aqui você encontra o artigo original e outras informações.
E aqui o estudo publicado e comentado neste artigo.
NOVO ARTIGO MOSTRA QUE A PESCA DE ARRASTO DE FUNDO É SUSTENTÁVEL (QUANDO BEM MANEJADA)
Max Mossler 20 de Julho de 2023
Pescados oriundos da pesca de arrasto de fundo podem ter um impacto ambiental menor do que frango ou a carne de porco, de acordo com um novo artigo de revisão publicado ontem no ICES Journal of Marine Science. Nele, Hilborn e outros argumentam que a proibição da pesca de arrasto de fundo aumentaria os impactos ambientais negativos ao demandar aumentos na produção de proteína terrestre.
Hilborn et al. 2023 revisaram dezenas de artigos sobre o impacto da pesca de arrasto de fundo, incluindo a sustentabilidade dos estoques, as capturas incidentais, o impacto no ecossistema e a pegada de carbono. Embora a pesca de arrasto de fundo seja geralmente o tipo de pesca mais impactante, ela, quando bem manejada, produz alimentos com um impacto ambiental muito menor do que qualquer proteína animal terrestre.
Este artigo de revisão resume o conhecimento atual sobre este tópico específico, analisando e apresentando conclusões de publicações recentes. Neste caso, Hilborn et al. 2023, apontam quatro impactos principais:
● Sustentabilidade das espécies-alvo
● Impacto nos ecossistemas bentônicos
● Capturas incidentais e descartes
● Emissões de carbono.
A chave para reduzir os impactos e sustentar pescarias é a gestão. O arrasto de fundo pode ser uma forma de produção alimentar de baixo impacto em locais com uma gestão eficaz. A pesca de arrasto de fundo pode ser altamente destrutiva em áreas com pouca capacidade de gestão ambiental (como muitas nações em desenvolvimento na Ásia).
Neste post, resumimos as conclusões dos quatro principais impactos, discutimos o que é uma gestão eficaz da pesca de arrasto de fundo e comparamos o impacto ambiental do arrasto de fundo com outras formas de produção alimentar.
Sustentabilidade das espécies-alvo
Consolidado, o arrasto de fundo produz 26% do pescado selvagem. As espécies-alvo geralmente incluem 'peixes de fundo' (uma vez que vivem maioritariamente no fundo do mar), como o bacalhau, merluzas, pescadas e muitas espécies de linguados. Em média, as populações de peixes de fundo em todo o mundo estão em recuperação ou em níveis sustentáveis; veja a Figura 1 abaixo. (Hilborn et all. 2023) mostrando que 50% das pescarias de fundo no banco de dados RAM Legacy (monitorado por meio de avaliação das unidades populacionais) são certificados pelo Marine Stewardship Council – o padrão internacional de sustentabilidade mais robusto.
Figura 1. A tendência na abundância global de peixes de fundo em relação ao objetivo de gestão (linha preta contínua). As linhas verticais mais finas mostram o intervalo de 50% das unidades populacionais. De Hilborn et al. 2023.
Isso não quer dizer que todas as populações estão indo bem, muitas unidades populacionais no Mediterrâneo estão abaixo dos níveis sustentáveis devido à sobrepesca, uma falha de gestão, e não necessariamente do equipamento de pesca.
No entanto, quase todas as pescarias de fundo do mundo são monitoradas por meio da avaliação do estoque. O monitoramento consistente é indiscutivelmente a parte mais essencial da gestão sustentável da pesca.
Para além dos peixes de fundo, muitos invertebrados são capturados com redes de arrasto de fundo ou dragas. São necessários mais dados sobre esses estoques; não existe um resumo global das tendências de abundância destas espécies.
Impacto nos ecossistemas bentônicos
O impacto da pesca de arrasto de fundo varia de acordo com a localização e o tipo de equipamento, mas é determinado principalmente por três medidas:
· A frequência de arrastos.
· A taxa de depleção (que porcentagem de invertebrados bentônicos são mortos pelo arrasto)
· A taxa de recuperação de organismos nativos pós arrastos.
A maior parte da pesca de arrasto é feita sobre cascalho, areia ou lama, com taxas de depleção variando de 4,7 a 26,1%, dependendo do tipo de rede. Os autores referem taxas de recuperação de 29-68% ao ano, dependendo do substrato. O cascalho tem uma taxa de recuperação muito mais lenta do que a lama, mas isso se deve mais à natureza das espécies, sendo que aquelas com ciclos de vida mais longos preferem o cascalho, do que pelo cascalho em si.
Gerenciar os impactos da pesca de arrasto no fundo do mar, se resume a dar tempo à área de pesca para se recuperar.
No ano passado, uma avaliação global começou a modelar o Status Relativo dos Ecossistemas Bentônicos (RBS) em 24 regiões do mundo. Ele encontrou 15 das 24 regiões (a maioria fora da Europa) com pontuações RBS acima de 0,9, o que significa que a região estava mais de 90% intacta. A região com pior desempenho foi o Mar Adriático, no Mediterrâneo, com uma pontuação RBS de 0,25. No entanto, “em todas as regiões, 66% da área do fundo do mar não foi arrastada, 1,5% foi esgotada (status = 0) e 93% teve status >0,8”
Ver Figura 2 abaixo.
Figura 2. Nível de esgotamento da flora e fauna bentônicas em regiões onde há dados de arrasto disponíveis. De Pitcher et al. 2022 e reproduzido por Hilborn et al. 2023.
Um estudo semelhante modelou especificamente invertebrados bentônicos e encontrou taxas de distribuição variando de 0,86 a 1 com uma média de 0,99. A grande maioria dos grupos de espécies teve um status superior de 0,95, embora, novamente, as regiões europeias tenham a pontuação mais baixa.
A pesca de arrasto de fundo pode ter um impacto severo em espécies sensíveis, como corais e esponjas de águas profundas. As taxas de recuperação dessas espécies são da ordem de décadas e séculos, portanto há um consenso de que a maioria das áreas com essas espécies devem ser proibidas para a pesca de arrasto.
Capturas incidentais e descartes
O arrasto de fundo geralmente tem a maior taxa de captura incidental e descarte de todos os tipos de pesca. No entanto, esta tendência vem melhorando há várias décadas – as capturas acidentais e os descartes são menos da metade do que eram na década de 1980.
Os autores observam que a seletividade aprimorada da rede de arrasto e a redução do esforço de pesca “contribuíram para a redução de descartes em muitas pescarias de arrasto na Europa, América do Norte e Austrália”. Além disso, mais espécies estão sendo utilizadas em vez de serem descartadas, particularmente no Sudeste Asiático, África e América Latina.
Os descartes são o verdadeiro desperdício de alimentos e recursos. Reduzi-los é importante para o planeta, embora se ser observado que também estas espécies precisam estar em níveis populacionais saudáveis.
Emissões de carbono
A produção alimentar e agrícola é responsável por um terço de todas as emissões de carbono do planeta. As emissões da produção terrestre de alimentos vêm principalmente da mudança no uso da terra – o que antes eram florestas que armazenavam carbono agora são campos de monocultura. Os ruminantes como as vacas, as cabras e as ovelhas são geralmente os alimentos com maior intensidade de emissões carbono do planeta, devido ao metano produzido pela ruminação.
Os pescados têm, de forma geral, a pegada de carbono mais baixa entre as proteínas de origem animal. A produção de pescados não requer mudança no uso da terra e não existem espécies notórias produtoras de metano. Em vez disso, a maior parte de sua pegada de carbono vem diretamente do uso de combustível para a captura.
No entanto, diferentes tipos de artes de pesca têm diferentes requisitos de combustível. Arrastar uma rede de arrasto de fundo na água é uma das formas de pesca que consomem mais energia.
Veja a tabela abaixo.
O quadro 2 de (Hilborn et al. 2023) mostra o combustível médio, mínimo e máximo usado para capturar uma tonelada métrica de peixe para diferentes tipos de artes de pesca e a quantidade de CO2 liberada por kg desembarcado. Dados de Parker e Tyedmers 2015
Os autores observam que: “A característica mais importante desses dados é a alta variabilidade dentro e entre diferentes pescarias, indicando que quase todos os tipos de equipamentos de pesca podem capturar peixes com uma pegada de carbono muito inferior do que a média e que nenhum método é, consistentemente, melhor”.
Com motores a diesel mais novos e eficientes e, eventualmente, embarcações híbridas, a hidrogênio e elétricas, a pegada de carbono dos pescados sem dúvida irá melhorar com o tempo. A pegada de carbono da produção de alimentos terrestres vai além da simples eficiência de combustível – a descarbonização será muito mais difícil.
É possível que você tenha visto manchetes dizendo que a pesca de arrasto de fundo emite tanto carbono quanto as viagens aéreas. Essas alegações foram baseadas em uma ciência deficiente e são falsas - aqui explicamos isso.
Ações de gestão para reduzir os impactos
Como toda gestão de recursos, a gestão pesqueira equilibra “escolhas ou decisões” que consideram aspectos ambientais, econômicos e sociais.
A gestão eficaz da pesca de arrasto começa por garantir que as espécies-alvo não sejam sobreexploradas. O excesso de esforço de pesca provoca mais impactos bentônicos e de captura incidental e produz menos alimentos por kg de CO2. O monitoramento da avaliação dos estoques associado à fixação e aplicação de limites de captura total permitida (TAC) é a forma mais básica de gestão eficaz.
As regras de “rodízio ou mudança” onde os pescadores devem mudar de local se capturarem muitas espécies incidentais ou identificarem habitats sensíveis, também ajudam a preservar os ecossistemas bentônicos.
Uma cultura colaborativa, em vez de uma corrida competitiva para pescar, também pode ajudar a melhorar a captura incidental. Na pesca de linguados do Mar de Bering, as taxas de captura incidental caíram para 6-8% devido à coordenação da frota em conjunto com os limites de captura incidental.
O bycatch nunca será totalmente eliminado, mas o descarte pode ser, desde que regulamentado. Em 2018, a Comunidade Européia proibiu o descarte no mar, exigindo que os pescadores trouxessem tudo o que fosse capturado à terra, para ser utilizado de alguma forma. As capturas indesejadas são muitas vezes reduzidas à farinha de peixe, embora em mercados emergentes o consumo direto de espécies não tradicionais também possa ser uma solução.
No entanto, o avanço mais significativo em termos de redução das capturas incidentais e da preservação bentônica acontecerá pela tecnologia e pelas melhorias nas artes de pesca. As portas de arrasto mais modernas podem 'voar' acima do fundo do mar para reduzir o contato com o fundo, e as mudanças no design da rede podem reduzir espécies indesejadas.
Muitos grupos de pesca estão trabalhando com câmeras subaquáticas montadas nas redes para que dispositivos de escape possam, sob controle, abrir e fechar para ejetar espécies indesejadas na rede. Os TEDs e grelhas têm sido altamente eficazes na redução da captura incidental de tartarugas. Com uma melhor tecnologia de satélite, os pescadores e os gestores podem comunicar melhor as áreas com alta captura incidental, que devem ser evitadas.
Comparando a pesca de arrasto de fundo com outras formas de produção de alimentos
Analisando os dados de avaliação do ciclo de vida (LCA) realizada em alimentos, (Hilborn et al. 2023) constataram que o kg médio de pescado de arrasto de fundo produz 4,65 kg de CO2 . Isto representa o dobro da pegada de carbono do frango (2,28 kg), mas um quarto da pegada da carne bovina (19,2 kg).
No entanto, as pescarias bem gerenciadas costumam ter um consumo muito menor de combustível, pois os barcos de pesca gastam menos tempo procurando espécies abundantes. Uma das maiores pescarias do mundo, a da Polaca do Alasca, produz apenas 0,83 kg de CO2 para cada kg de alimento – sem dúvida uma das proteínas de menor impacto do mundo. A riqueza da pesca de Polaca do Alasca permitiu investimentos de capital em barcos modernos e mais eficientes que reduziram significativamente o uso de combustível (a Polaca do Alasca é parcialmente capturado usando redes de arrasto de meia-água, não uma verdadeira pesca de arrasto de fundo 100%). O Alasca tem uma das melhores gestões de pesca do mundo, e (Hilborn et al. 2023) estimam que todas as pescas de arrasto de fundo do Alasca produzem 1,17 kg de CO 2 para cada quilo de alimento produzido. A pesca de vieiras da Ilha de Man (1,73 kg) e hoki e ling da Nova Zelândia (2,24 kg) são também consideradas individualmente como pescarias de arrasto de fundo bem gerenciadas com baixas pegadas de carbono.
O rumo para melhorar a pegada de carbono dos arrastões de fundo (e, de fato, quase de todas as pescarias) é melhorar a eficiência do combustível e acabar com a sobrepesca. Ambos têm marcos regulatórios claros – incentivam a modernização da embarcação e fazem cumprir os limites do TAC. Hilborn e outros. 2023 também propõem a eliminação dos subsídios aos combustíveis que incentivam a pesca ineficiente.
No entanto, as emissões de carbono não são o único impacto ambiental da produção alimentar. A produção de alimentos terrestres tem sido o maior fator de perda de biodiversidade desde o último asteroide. Embora a pesca e o arrasto de fundo sejam literalmente uma remoção da biodiversidade, são muito menos destrutivos para os ecossistemas do que a agricultura. Uma vez que a terra é desmatada para cultivo ou criação de gado, mais de 90% da biota nativa é eliminada. Enquanto isso, a maioria dos ecossistemas bentônicos de arrasto retém 90% de seu estado anterior à pesca de arrasto. A pesca também não usa pesticidas, herbicidas, antibióticos ou recursos de água doce.
Hilborn e outros. 2023 concluem que proibir a pesca de arrasto de fundo seria negativo para o planeta, pois fontes alternativas de alimentos seriam mais destrutivas. Substituir todos os pescados de arrasto de fundo por frango, por exemplo, exigiria um desmatamento do tamanho de Dakota do Sul. A substituição por carne bovina exigiria o dobro do tamanho do México. A substituição por uma mistura típica de gado de 30% de carne bovina, 33% de carne suína e 37% de frango exigiria uma Mongólia inteira.
Conclusão: a pesca de arrasto de fundo, se bem manejada é sustentável
Depois de analisar dezenas de artigos, (Hilborn et al. 2023) concluem que o arrasto quando bem manejado, é sustentável.
A pesca de arrasto de fundo está na mira de grupos ambientalistas há anos, mas os argumentos para proibir a pesca de arrasto de fundo não têm raízes científicas. O que é que substituiria os milhões de toneladas de proteína animal no abastecimento alimentar?
A resposta não é proibir a pesca de arrasto de fundo, mas sim desenvolver a capacidade de gestão da pesca, especialmente em locais com gestão deficiente e insustentável.
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