Acompanhamos há alguns anos a pressão de países por maior produção de atuns, sob a mão firme e o difícil trabalho da ICCAT.
De muito perto, em um breve período em que tivemos o privilégio de dividir oportunidades e perspectivas com o saudoso Prof. Fabio Hazin, participamos muito intensamente das negociações que permitiram a revisão de dados pretéritos do Brasil e uma elevação de volumes declarados de produção de aproximados 1.500 para algo como 7.500 ton. de BET, a Albacora Bandolim. Em 2019, ponderadamente e em conjunto com todos os países membros, acatamos uma recomendação de reduzir produções, visando a situação do estoque e recuamos para o patamar de 6.040 ton. como limite de produção desta espécie e que, por não termos tido a gestão adequada em anos, acabamos ultrapassando em 2021 e pagamos o excedente neste 2023. Agora a produção nacional está reduzida para 5.441 ton., conforme estabelecido pela Portaria Interministerial nº 2 MPA/MMA de 2023. Esta Portaria, necessária, foi publicada em março de 2023.
Mas, os gestores, naquele momento, sob novo governo, agora em regime compartilhado e retomando a estrutura de um Ministério da Pesca e Aquicultura, talvez não se tenham atentado para a pressão da produção e a complexidade em reparti-la, além o risco de mais uma vez ultrapassarmos o limite conforme a Portaria citada.
Em reuniões Ordinárias e Extraordinárias do CPG Atuns e Afins, às vezes maçantes e repetitivas, com novos atores ainda não habituados aos ritos de funcionamento deste ambiente participativo, decorrente também de uma postura de governo mais afeta ao social e artesanal, foi-se tentando moldar interesses e perspectivas de diferentes modalidades de pesca e regiões produtoras. E, embora repetidamente sugerido, as frotas com capturas irrisórias desta espécie acabaram afetadas e sob risco operacional/econômico. Por meio de dados históricos e projeções extraídas de um modelo preditivo, de interpretação complexa, mas com embasamento técnico firme, provindo de nossos heróis do GTC o Grupo Técnico Científico do CPG Atuns, uma turma que trabalha voluntariamente, se entrega à ICCAT e a nossos interesses na Comissão, chegou-se a um termo.
Fato é que, em 22 de setembro foi publicada a Portaria Interministerial MPA/MMA nº 5, que na visão de alguns (nós incluídos) e conforme a Ementa (que na definição sugerida pelo congresso: Explicita, de modo claro e conciso, o objeto da norma jurídica. Deve ser grafada por meio de caracteres que a realcem).
Assim está publicado:
PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 5, DE 22 DE SETEMBRO DE 2023
Estabelece as cotas de captura da espécie albacora-bandolim (Thunnus obesus) para as modalidades de permissionamento das embarcações de pesca brasileiras que atuam no Mar Territorial, na Zona EconômicaExclusiva e nas águas internacionais, e as medidas de monitoramento, controle e fiscalização para o ano de 2023.
E, consequentemente, foi interpretada como direcionada a embarcações que tivessem a espécie à bordo naquele momento, e portanto, deveriam se deslocar ao porto para descarregar até 30 de setembro, embarcações em início de viagem, ou que não tivessem a espécie a bordo não estariam, no nosso entender, afetadas pela Portaria.
Em 25 de setembro, fomos chamados por uma equipe do DRMC – MPA para esclarecimentos. Considerando algumas incertezas e subjetividades na leitura, decidimos por comentar ponto a ponto, iniciando pela Ementa, e este foi nosso comentário, apresentado em tela compartilhada, como pode ser visto no vídeo a seguir, muitos esclarecimentos ficaram pendentes.
Ocorre que em comunicados posteriores, mesmo não tendo havido um contra argumento no momento da reunião de esclarecimento ou alguma contestação à nossa interpretação; áudios e, mais recentemente um pedido de esclarecimento pautado em audiência deste Conepe com o Sr. Ministro e parte das suas equipes técnicas, defendem os gestores, a Portaria orientava que toda a frota de Cardume associado deveria estar no porto em 30 de setembro, descarregar a produção, trocar equipamentos e reiniciar as operações, se atendida a cobertura mínima de observadores de bordo.
A questão é clara, pelo lado operacional, se todos deveriam estar em terra no dia 30, então ninguém estaria no mar, e em não estando no mar, os cardumes deveriam ser abandonados. Pois então, fica claro que a solução não é viável, não é razoável pensar que abandonariam os cardumes, significaria perder o trabalho de muitos meses de juntar, dividir, repartir de transferir os Cardumes, que como está claro na definição da modalidade (definida na Portaria 59-A),está associado às embarcações:
PORTARIA INTERMINISTERIAL PR/SG/MMA Nº 59-A, DE 9 DE NOVEMBRODE 2018 Define as medidas, os critérios e os padrões para a pesca de cardume associado e para outros aspectos da pesca de atuns e afins no mar territorial, na Zona Econômica Exclusiva e nas águas internacionais por embarcações de pesca brasileiras. O MINISTRODE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA E O MINISTRODE ESTADO DO MEIO AMBIENTE , no uso da atribuição de que lhes confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição, tendo em vista o disposto no art. 12, § 2º, inciso I, da Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017, no art. 3º da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, e no Decreto nº 6.981, de 13 de outubro de 2009, e de acordo com que consta do Processo nº 00350.001038/2018-67 da
Secretaria Especial da Aquicultura e da Pesca da Secretaria-Geral da Presidência da República, resolvem: Art. 1º Esta Portaria Interministerial estabelece as regras, os critérios e os padrões para a pesca de cardume associado e para outros aspectos da pesca de atuns e afins no mar territorial, na Zona Econômica Exclusiva - ZEE e nas águas internacionais por embarcações de pesca brasileiras. Art. 2º Para fins do disposto nesta Portaria Interministerial, considera-se: I - Pesca de sombra ou de cardume associado - técnica de pesca que consiste em atrair e concentrar cardumes de peixes utilizando o próprio casco da embarcação com um Dispositivo Agregador de Peixes -DAP; II - Dispositivo Agregador de Peixes - DAP - a estrutura ou o dispositivo permanente, semipermanente ou temporário utilizado para atração de peixes; III -Fauna acompanhante previsível - espécies cuja captura ocorra naturalmente durante a pesca das espécies-alvo, incluídas outras espécies que coexistam na mesma área de ocorrência, substrato ou profundidade e cuja captura não possa ser evitada; e IV - espécies de captura incidental - espécies não passíveis de comercialização, que coexistem na mesma área de ocorrência, substrato ou profundidade das espécies-alvo, cuja captura deve ser evitada por estarem protegidas por legislação específica ou por acordos internacionais. Parágrafo único. A eventual captura das espécies a que se refere o inciso IV do caput será registrada no mapa de bordo e os animais descartados na área de pesca, vivos ou mortos, ou desembarcados para fins de pesquisa autorizada em ato específico. Art. 3º Fica proibido o uso de DAP, exceto nas hipóteses estabelecidas em regulamentação específica. § 1º A proibição de que trata o caput não se aplica à utilização da própria embarcação de pesca como DAP. § 2º Fica proibida qualquer modalidade de pesca direcionada à captura de atuns e afins em distância inferior a duzentos metros de boias oceanográficas situadas na ZEE e em águas internacionais. § 3º fica proibida a amarração de embarcações, através de qualquer meio, em boias oceanográficas situadas na ZEE e em águas internacionais ....
Portanto, resta claro que a pesca regulamentada prevê a manutenção de cardumes abaixo do casco das embarcações, em não havendo embarcações...
O que se pretendia então? Que se utilizassem boias rastreadas? Mas elas seriam DAPs, que estão proibidos pelo Art. 3º da Portaria 59-A e que se constitui em um de nossas colunas de contraposição à frota cerqueira que opera na mesma área ICCAT e que dispersam até 300 DAPs por embarcação, e nos fazem uma competição desproporcional, que é nossa luta naquela comissão.
Enfim, são constatações de que vemos decisões tomadas pelo nosso governo sem uma real consideração de impactos. Como dissemos no início, todo o contexto é de renovação de órgão, de equipes e num ambiente ICCAT cada vez mais pressionado, mas não justificam os caminhos tomados. Ao nosso ver houve uma certa postergação de decisões numa busca de atender, não atendendo, aos interesses de todos e numa mistura de efeitos que cria, senão conflitos, um estranhar entre os interesses de Sul e de Nordeste do país, entre Cardume Associado e Espinhel, que poderia ter sido evitado se, ao publicar a internalização do Limite de Captura ICCAT, esta situação tivesse sido considerada, dando opções e tempo de adaptação de produção aos interessados e não, neste que é o melhor momento de capturas, em qualidade e quantidade, colocar a frota de Cardume do Nordeste nesta situação de não cumprimento de normas.
O mesmo se aplica ao Art. 12 da Portaria Interministerial 05, que inova ao interferir em regimes de faturamento e regras tributárias pré-estabelecidas e, de um momento para o outro, colocar empresas e produtores numa situação desconhecida. É bem vinda a demanda por rastreabilidade e a obrigatoriedade de que a produção possa ser declarada pelo produtor primário, mas o estabelecido nas operações e acatado inclusive por políticas fazendárias estaduais ainda não está adequado ao demandado, de surpresa, nesta portaria que deveria se ater às atribuições dos órgãos signatários e não enveredar para obrigações fiscais e tributárias, ou pelo menos, e mais uma vez, prever o tempo de adequação e harmonização da norma entre os entes afetados, de nossa parte, produtores e indústria, mas também as Secretarias Estaduais da Fazenda.
Questões persistem, e colocam Produtores e Industria em situação de possível conflito, o remédio aparentemente trouxe diversos efeitos colaterais, vamos ver se e como a atividade vai suportar.
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